Desde que Adriano saiu da Internacionale, de Milão, e voltou ao país, porque não queria mais ficar longe do lugar onde nasceu, passei a acompanhar com mais atenção as colocações dele.
Logo depois que foi contratado pelo Flamengo, ele deu uma entrevista no programa global Esporte Espetacular (trechos foram ao ar no Fantástico), que foi dos depoimentos mais impressionantes que assisti na televisão.
Tinha um caráter classista: nasci na favela, sou favela e serei favela. E ponto.
Isso foge à regra dos brasileiros pobres que fazem sucesso, e esquecem de onde vieram.
Na verdade, não esquecem. Simplesmente não voltam àqueles lugares e omitem as suas origens. Exemplos não faltam.
Nesses dias, dando uma olhada no
blog do Azenha, achei um texto de Lúcio de Castro, um jornalista esportivo da ESPN Brasil - que até então eu não conhecia.
No texto, ele antecipava uma matéria na qual a TV Globo, no Fantástico, apresentaria duas fotos do Adriano.
Em uma foto, ele portaria uma metralhadora; na segunda, estaria fazendo as iniciais de uma das facções do crime organizado carioca (devia ser CV).
Ou seja, um absurdo! Um grande absurdo. O maior absurdo deste país!
Cada um enxerga o país e constrói absurdos a partir da sua visão de mundo (individual e de classe).
Com isso, Adriano poderia perder a vaga na Copa. Não pelo futebol, mas pelo mau exemplo.
Uns podem fazer determinadas coisas; outros não.
O texto do Lúcio de Castro é um primor (para ler, clique
aqui).
Parte de um princípio simples: nos tempos em que ele trabalhava na Globo, todas as denúncias de corrupção contra qualquer pessoa envolvida no esporte (Ricardo Teixeira?) eram barradas.
Motivo: esporte é entretenimento.
No entanto, no momento de expor a vida de um jogador preto favelado potencialmente alcoólatra, com orgulho de ser favelado e convivendo com favelados, a "regra" não vale?
Resposta: não vale mesmo, por causa do preconceito! (isso faz parte do entretenimento?)
No final das contas, a matéria nem foi ao ar (motivo não identificado). Independente disso, o texto apresenta elementos importantes para a análise do tema.
Depois disso, fui ao blog do tal Lúcio de Castro, e encontrei outros textos muito bons.
Em um dos textos (clique
aqui para ler), ele acerta "na mosca" em uma comparação.
Traça um paralelo entre o Adriano e "um político brasileiro, alto escalão, de importante estado da federação" (Aécio Neves) que “boas fontes garantem que...” usam drogas.
Sobre o Aécio, nunca a TV gastou um segundo. Aliás, quem sabe disso?
Por que escrevo tudo isso?
Porque é tão difícil encontrar algo tão interessante na internet, que trate em alto nível de costumes e política juntos, que achei que valia a pena compartilhar.
Agora está compartilhado.
Abaixo, mando a resposta que o escritor Eduardo Galeano deu ao Lucio de Castro sobre o assunto.
“...Eu creio que o caso de Adriano é revelador, como bem disse, de preconceitos e julgamentos que vão além das anedotas.
O bombardeio que Adriano sofre revela, por exemplo:
- A obsessão universal pela vida privada dos que tem êxito, e acima de tudo pelos desportistas vencedores que vem da miséria e que tinham nascido estatisticamente condenados ao fracasso.
- Exige-se deles que sejam freiras de convento, consagrados ao serviço dos demais e com rigorosa proibição do prazer e da liberdade.
- Os puritanos que os vigiam e os condenam são, em geral, medíocres cujo desafio mais audacioso, sua mais perigosa proeza, consiste em cruzar a rua com luz vermelha, alguma vez na vida, e isso tem muito a ver com a inveja que provoca o êxito alheio.
- Tem muito a ver com a demonização dos pobres que não renegam sua mais profunda identidade, por mais exitosos que sejam.
- E muito tem a ver, também, com a humana necessidade de criar ídolos e o inconfessável desejo de que os ídolos se derrubem.
Um abraço do teu amigo,
Eduardo Galeano