sexta-feira, abril 30, 2010

Marighella e Bin Laden são a mesma coisa para os tucanos

A página do Mobiliza PSDB fez um quadro comparativo da trajetória dos pré-candidatos à presidência da República.

Vejam que dizem que Serra jamais integrou “grupos terroristas armados”.

Já Dilma, durante a ditadura, “ingressou em grupos armados, responsáveis por assaltos, sequestros, assassinatos” e foi casada com dois “terroristas”.

O PSDB considera Carlos Marighella como o Bin Laden brasileiro.

E os grupos que lutaram contra a ditadura militar são ascendentes do PCC (de fato, os tucanos têm trauma com o PCC...)

O que o “ex-terrorista” que integrou a ALN (Ação Libertadora Nacional) Aloysio Nunes Ferreira, grão-tucano que foi secretário da Casa Civil do governo Serra e ministro da Justiça de FHC, vai achar desse tipo de tratamento?

Aloysio Nunes não deve ter vergonha do seu passado de terrorista, assaltante, sequestrador e assassino (nas palavras do PSDB).

Tanto que estava na mesa da solenidade que deu a Carlos Marighella o título de Cidadão Paulistano, na Câmara dos Vereadores de São Paulo, no dia 4 de novembro de 2009 (exatos 40 anos depois do seu assassinato).

Aloysio Nunes é o primeiro da direita.

Estranho é que o PSDB nasceu do PMDB, que combateu a ditadura, mas adota agora a mesma fraseologia dos tempos autoritários, que era usada para legitimar os assassinatos dos seus inimigos... Deve ser a companhia do DEM (descendente da Arena).

PSDB entrega: a grande mídia é nossa

Leia os jornais das grandes empresas de comunicação, coloque no seu blog, divulgue no Twitter, comente no Orkut, Mobilize! Os colunistas, analistas e editoriais são nossos!

É o que dizem os tucanos, em texto sobre a cobertura da imprensa na página Mobiliza PSDB, em "Análises na imprensa elogiam discurso de Serra. Divulgue!".

A tática dos tucanos é clara: a Folha, o Estadão e O Globo produzem o conteúdo, e basta a divulgação pela "militância" tucana (vejam o que dizem: "O conteúdo está à sua disposição, agora é sua vez de espalhar os textos e contribuir para a mobilização do país!").

Tudo bem que a grande mídia é Serra nas eleições, mas não precisa deixar na cara, porque os mais ingênuos podem perceber...

domingo, março 28, 2010

Adriano, a favela e o preconceito

Desde que Adriano saiu da Internacionale, de Milão, e voltou ao país, porque não queria mais ficar longe do lugar onde nasceu, passei a acompanhar com mais atenção as colocações dele.

Logo depois que foi contratado pelo Flamengo, ele deu uma entrevista no programa global Esporte Espetacular (trechos foram ao ar no Fantástico), que foi dos depoimentos mais impressionantes que assisti na televisão.

Tinha um caráter classista: nasci na favela, sou favela e serei favela. E ponto.

Isso foge à regra dos brasileiros pobres que fazem sucesso, e esquecem de onde vieram.

Na verdade, não esquecem. Simplesmente não voltam àqueles lugares e omitem as suas origens. Exemplos não faltam.

Nesses dias, dando uma olhada no blog do Azenha, achei um texto de Lúcio de Castro, um jornalista esportivo da ESPN Brasil - que até então eu não conhecia.

No texto, ele antecipava uma matéria na qual a TV Globo, no Fantástico, apresentaria duas fotos do Adriano.

Em uma foto, ele portaria uma metralhadora; na segunda, estaria fazendo as iniciais de uma das facções do crime organizado carioca (devia ser CV).

Ou seja, um absurdo! Um grande absurdo. O maior absurdo deste país!

Cada um enxerga o país e constrói absurdos a partir da sua visão de mundo (individual e de classe).

Com isso, Adriano poderia perder a vaga na Copa. Não pelo futebol, mas pelo mau exemplo.

Uns podem fazer determinadas coisas; outros não.

O texto do Lúcio de Castro é um primor (para ler, clique aqui).

Parte de um princípio simples: nos tempos em que ele trabalhava na Globo, todas as denúncias de corrupção contra qualquer pessoa envolvida no esporte (Ricardo Teixeira?) eram barradas.

Motivo: esporte é entretenimento.

No entanto, no momento de expor a vida de um jogador preto favelado potencialmente alcoólatra, com orgulho de ser favelado e convivendo com favelados, a "regra" não vale?

Resposta: não vale mesmo, por causa do preconceito! (isso faz parte do entretenimento?)

No final das contas, a matéria nem foi ao ar (motivo não identificado). Independente disso, o texto apresenta elementos importantes para a análise do tema.

Depois disso, fui ao blog do tal Lúcio de Castro, e encontrei outros textos muito bons.

Em um dos textos (clique aqui para ler), ele acerta "na mosca" em uma comparação.

Traça um paralelo entre o Adriano e "um político brasileiro, alto escalão, de importante estado da federação" (Aécio Neves) que “boas fontes garantem que...” usam drogas.

Sobre o Aécio, nunca a TV gastou um segundo. Aliás, quem sabe disso?

Por que escrevo tudo isso?

Porque é tão difícil encontrar algo tão interessante na internet, que trate em alto nível de costumes e política juntos, que achei que valia a pena compartilhar.

Agora está compartilhado.

Abaixo, mando a resposta que o escritor Eduardo Galeano deu ao Lucio de Castro sobre o assunto.

“...Eu creio que o caso de Adriano é revelador, como bem disse, de preconceitos e julgamentos que vão além das anedotas.

O bombardeio que Adriano sofre revela, por exemplo:

- A obsessão universal pela vida privada dos que tem êxito, e acima de tudo pelos desportistas vencedores que vem da miséria e que tinham nascido estatisticamente condenados ao fracasso.

- Exige-se deles que sejam freiras de convento, consagrados ao serviço dos demais e com rigorosa proibição do prazer e da liberdade.

- Os puritanos que os vigiam e os condenam são, em geral, medíocres cujo desafio mais audacioso, sua mais perigosa proeza, consiste em cruzar a rua com luz vermelha, alguma vez na vida, e isso tem muito a ver com a inveja que provoca o êxito alheio.

- Tem muito a ver com a demonização dos pobres que não renegam sua mais profunda identidade, por mais exitosos que sejam.

- E muito tem a ver, também, com a humana necessidade de criar ídolos e o inconfessável desejo de que os ídolos se derrubem.

Um abraço do teu amigo,

Eduardo Galeano

segunda-feira, outubro 19, 2009

Por que descontamos nossos problemas em pessoas amadas?

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A vida é como uma montanha russa. Em determinados momentos, estamos felizes, animados e tranqüilos. Em outros, ficamos preocupados, desanimados e estressados. É um sobe e desce.

Acho que é algo normal.

Não teria graça nenhuma ser permanentemente feliz. O que esperar do amanhã? Um dia como o de hoje! Não pode ser assim. Pior ainda seria se ficássemos sempre tristes.

Que desgraça.

Em ambos os casos, estariam eliminados os componente humanos das pessoas e as surpresas da vida.Ou seja, não adianta revolta. Temos que nos resignar. O momento mais complicado desse sobe e desce é quando, no melhor momento, a onda começa a fazer a curva para baixo. É um choque.

Por quê? Estava indo tudo tão bem!

Ainda desacostumados com a nova situação, bate uma instabilidade, insegurança e desconfiança. Aí mora o perigo. Um momento desse tem potencial explosivo. Um olhar torto pode ter resultados inesperados.

Eu mesmo, nessas horas, nem sempre consigo me controlar e acabo descontando numa pessoa amada. Não entendo bem o porquê. Deve vir do medo de nos abrir e dizer com todas as palavras: preciso de ajuda!

Desconfio que todo mundo seja meio assim.

Já vi alguns casos. Não, não estou querendo justificar. Apesar de não ter lógica, faz algum sentido. Estouramos sobre nossos amigos justamente porque são pessoas que podem nos entender, nos perdoar e nos ajudar.

É um grito com um pedido de ajuda.

Admito que mal dado e travestido de outra forma. Só que tem dois efeitos colaterais possíveis que estão ligados. Em primeiro lugar,em caso de exagero da parte do desesperado.

Em segundo lugar, a “vítima” não entende a situação e fica sentida.Aí o remendo sai pior ainda. Justamente aquele que poderia ajudar, fica magoado!

A reação pode ser uma resposta bem dada ou uma tristeza calada. No primeiro caso, pode até ser um bom caminho. Da discussão pode vir a redenção. O que você tem, cara?

Essa é a pergunta.

Abre o caminho para que o “agressor” abra o coração.E quando não vem? Pode desandar e piorar ainda mais a situação da pessoa que estava num momento ruim. Em vez de ajuda, tem mais uma cruz para carregar. A onda da vida vai mais pra baixo ainda.

E a ajuda necessária não vem.

O desespero aumenta, junto com as preocupações e o nervosismo. O que fazer? A tendência é ficar mais nervoso e fazer mais besteiras. A saída é parar, pensar e tirar o time de campo. Podemos magoar pessoas amadas de novo.

O isolamento não é uma boa solução no longo prazo, mas há momentos na vida em que é o jeito. Aguardar até nos acertar para, aí sim, conversar. O problema é que, nesse tempo, não temos a quem recorrer. E a situação pode piorar mais ainda.

Sofrimento.

E ficamos ainda com aquela pergunta na cabeça: por que descontamos os nossos problemas em pessoas amadas?

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Laudelina, pioneira na luta das trabalhadoras domésticas

Mulher, negra e trabalhadora doméstica. Esta combinação de características carrega um peso de preconceito que resgata a herança brasileira de escravidão dos negros, sub-valorização das mulheres e exploração da classe trabalhadora.

Há oito milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, cerca de 10% da população economicamente ativa. A classe é composta por 95% de mulheres e 82% de negras. A maioria não teve a possibilidade de estudar e apenas 300 mil têm registro na carteira profissional. Enfrentam a desconsideração da sociedade, exercem atividades pesadas e mal remuneradas. São vítimas de humilhações, violência sexual e racismo.

As trabalhadoras domésticas fazem parte de um universo mantido escondido por deixar exposto as feridas de uma sociedade extremamente machista, racista e classista. Apesar de prevalecer ainda o silêncio e a apatia, a luta da categoria começou na década de 30 e teve como precursora Laudelina de Campos Mello, mulher, negra, trabalhadora doméstica e lutadora de esquerda.

Laudelina nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1904. Aos sete anos de idade, começou a trabalhar como empregada doméstica. Passou por uma infância de exploração, discriminação e racismo. Manteve viva dentro de si a indignação com a desigualdade no país.

Com 16 anos começou a atuar em organizações de mulheres negras. Preocupada com a necessidade de diversão das classes pobres, foi presidenta do Clube 13 de Maio, que promovia atividades recreativas e políticas. Nos anos 20, trabalhou especialmente pelo lazer e cultura.

No período, fez parte de diversas entidades do movimento negro. Desde então, percebeu que era preciso uma atenção especial com os diferentes níveis de consciência das pessoas e a necessidade de encontrar um ponto em comum para avançar na luta. Laudelina acreditava que a luta dos negros deveria ser politizada para ultrapassar as demandas pontuais.
Para ela, a afirmação da identidade negra no Brasil parava no campo da cultura, deixando em segundo plano o lado político e a ideologia étnica, que se diluía no discurso político tradicional ou na falta de consciência política.

Fundação da associação

Na década de 30, Laudelina mudou para Santos, litoral de São Paulo. Passou a atuar em movimentos populares e sua militância ganhou um peso político e reivindicatório, com sua ligação ao Partido Comunista Brasileiro. Em 1936, fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país, onde permaneceu até 1949 como presidenta. Trabalhou para a fundação da Frente Negra Brasileira, a maior organização de massas da história do movimento negro, que chegou a ter 30 mil filiados.

“Laudelina era uma militante que não lutava por uma única causa, mas por questões gerais na sociedade”, afirma Cleuza Aparecida da Silva, integrante da coordenação da Casa Laudelina de Campos Mello, entidade inspirada na trajetória da lutadora, localizada em Campinas. Por isso, buscou a união das lutas da classe trabalhadora, dos negros e das mulheres como estratégia fundamental para combater o racismo, a opressão e a exploração da burguesia.

Ao mesmo tempo, tentava aparar as arestas e manter uma aliança dos grupos no interior do movimento negro. Com a mudança para Campinas, em 1954, entrou para o movimento negro da cidade e participou de atividades culturais e sociais, com o objetivo de elevar a auto-estima e a confiança da juventude negra, com a formação de grupos de teatro e dança. Criou uma escola de balé e um conservatório de música na cidade.
Em 1957, promoveu um baile de debutantes para jovens negras, no Teatro Municipal de Campinas. Nas negociações com a direção do teatro, enfrentou resistência na obtenção da autorização para usar o local. Laudelina denunciou na imprensa o tratamento preconceituoso dos responsáveis pelo teatro e conseguiu a autorização para fazer a cerimônia. “Ela tinha o poder de questionar os fundamentos da sociedade e ocupar com a luta os meios de comunicação”, explicou Cleuza.

Participou da fundação da Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas de Campinas, com o apoio do Sindicato da Construção Civil do município, que emprestou uma sala no seu prédio para sede. Além das atividades culturais, a entidade lutou contra o preconceito racial e fez intervenções em conflitos entre domésticas e patrões. No período, não existiam direitos sociais e legislação trabalhista em defesa da categoria. Por outro lado, era generalizada a superexploração, o uso de menores e abuso sexual.

Conquista de diretos

Laudelina acumulou experiência com a fundação das associações e foi convidada, a partir de 1962, para participar da organização de diversos sindicatos da categoria, como no Rio de Janeiro e em São Paulo. A militância sindical não a fez deixar de lado as demandas das mulheres e dos negros. “Laudelina não perdia no meio da questão luta de classes a especificidade das demais lutas”, afirmou Cleuza.

Durante o regime militar (1964-1985), ela entrou para a luta política na clandestinidade e passou a atuar no interior da igreja progressista, nas comunidades eclesiais de base. Foi presa e obrigada a prestar depoimento. Mesmo assim, seguiu em defesa das domésticas e virou uma referência nacional na batalha pela regulamentação dos direitos das trabalhadoras domésticas.

Na década de 70, a categoria conquistou o direito a Carteira de Trabalho e Previdência Social. Por causa de disputas pelo comando da associação, ficou doente e se afastou do movimento das empregadas domésticas. Em 1982, voltou à direção da entidade, que deu origem ao atual Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas.

Na década de 80, entrou para o Partido dos Trabalhadores e participou da filiação do sindicato à Central Única dos Trabalhadores. Depois atuou na criação da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos. Laudelina morreu em 12 de maio de 1991.

Dona apenas da própria casa, uma habitação popular na região noroeste de Campinas, sonhava com a transformação do espaço em um centro de formação política da categoria. Deixou o espaço de herança ao Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da cidade. Hoje a organização tem sede na casa onde viveu a fundadora da entidade, uma das principais lutadoras negras do país e corajosa defensora das mulheres, negras e trabalhadoras domésticas.

* Texto publicado originalmente no Jornal Sem Terra. Leia mais em http://www.mst.org.br/.
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Obs.: Depois de bastante tempo, publico um texto neste blog. É um texto já publicado, mas achei que valia a pena para a leitura daqueles que ainda visitam este blog (se é que alguém visita...). De verdade, queria escrever mais e aproveitar de fato este espaço. No entanto, estou sem tempo e condições de produzir material exclusivo. Infelizmente. Mesmo assim, vou tentar. Nem que sejam breves comentários. Vamos ver...
Saudações a todos.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Uma entrevista excepcional (de exceção mesmo)

Quinta-feira, 27 de outubro. Um dia como os outros. No setor de comunicação, trabalho é o que não falta. A direção está certa que nós não fazemos muita coisa. Por isso sempre jogam tarefas em cima dos seus membros. É o que parece.

Quinta-feira tínhamos que ligar para todos os Estados do país para saber quem vem para o encontro nacional do setor, em novembro. Figurões da academia já confirmaram a participação como educadores.

Quinta-feira à tarde, Bel (a amiga Maria Isabel Mercês, do Brasil de Fato) liga e me convida para uma entrevista. Horário, 19h30; lugar, Hotel Maksud Plaza; assunto, "mil coisas". Naquela noite, José Saramago estaria lançando seu novo livro no SESC Pinheiros. O escritor português não é o nosso entrevistado.

Quinta-feira à noite o idioma para o dialogo é italiano. Da "velha bota" veio o nosso personagem. Para alguns, um militante transviado, que passou por um processo de "transformismo" (como diria outro italiano, da Sardenha). Largou o confronto político para fazer proselitismo do fim do imperialismo. É polêmico e controvertido, decerto. Tem conteúdo e base para a discussão, sem dúvida.

Quinta-feira à noite, por meio da ajuda de um companheiro do entrevistado, um italiano amigo e cicerone no Brasil, ficamos frente a frente com o velho comunista italiano. Radical marxista-leninista. Ideólogo das Brigadas Vermelhas, uma das maiores idiotices da história da esquerda italiana e mundial (quem viu "Bom dia, noite", sabe). No passado. Agora largou Lênin. Colocou outro no lugar como modelo (opa!) intelectual. Um pensador francês, destrinchador do poder e formulador do biopoder.

Quinta-feira, 27 de outubro à noite, ficamos frente a frente com Antonio Negri, o homem do "Império", bíblia dos neo-anarquistas, dos neo-zapatistas ou todas as categorias que podemos enquadrá-los - só para os próprios ficarem putos e xingarem os "socialistas de merda que não conseguem deixar ninguém fora de alguma categoria”. É verdade, para o bem e para o mal.

Quinta-feira à noite a entrevista foi estranha - não foi ruim, mas não foi boa. Sentado à nossa frente, atento a uma aparentemente deliciosa caipirinha, Negri se comunica conosco em italiano (deve saber francês, com certeza, e inglês, talvez - mas o nacionalismo - opa!, mais uma vez - o restringe ao italiano). Eu e a Bel não sabemos italiano – ninguém sabe fora da Itália! O “assessor-amigo” sabia. Só que a má vontade e pouco caso o impedia de traduzir de maneira decente, de forma a compreendermos o que dizia o filósofo para dialogarmos de fato. O Negri falava cinco minutos. Ele traduzia em três ou quatro palavras. Ou seja, comunicação limitada.

Quinta-feira à noite foi preciso jogo de cintura. Dava para entender uma coisa ou outra. Muito pouco pela erudição do entrevistado e a necessidade dos entrevistadores. Sem problemas. Perguntávamos, ele respondia. Não entendíamos. Deixa para lá. Próxima pergunta. Com pose de garanhão-fodedor, o “assessor-amigo” não ajudava. Pior: atrapalhava. "A entrevista vai até oito e vinte", insistia. Antes do prazo acordado, já começou: "última pergunta".

Quinta-feira à noite pressionamos um dos mais polêmicos pensadores da atualidade. “Negri, em o 'Império' a idéia central é que não existe mais o imperialismo, política pela qual os países centrais avançam sobre os países periféricos para colocá-los sob sua influência. No livro, você diz que não existe o imperialismo, mas uma força supranacional sem uma nação central. Como você explica a invasão do Iraque, do Afeganistão e as bases militares dos Estados Unidos em 121 países, metade do globo?


Quinta-feira à noite Negri respondeu o nosso questionamento. A pergunta nem precisou da tradução do cicerone folgado. Sabe que sua teoria é polêmica e espera tal pergunta. O filósofo italiano respondeu com muita ênfase e firmeza. Só que não deu para entender nada da resposta. Ele respondeu em italiano – e o “assessor-amigo” tava há um bom tempo ignorando a gente.

Antonio Negri só fala em italiano; tradutor não traduz nada

* Em homenagem aos amigos Bruno Fiuza e Tiago Mali, que estão do outro lado do Oceano Atlântico...

quarta-feira, maio 04, 2005

Marcha Nacionall Pela Reforma Agrária


Foto: Maíra Kubik

Muito orgulho desses brasileiros e brasileiras!!!
Viva o Movimento Sem Terra e cada um dos seus militantes!!!
Viva a Marcha Nacional Pela Reforma Agrária!!!

segunda-feira, abril 25, 2005

Le mort saisit le vif

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O texto abaixo surgiu a partir de uma discussão com alguns amigos, em especial o companheiro Alexandre Gajardoni, sobre racismo no Brasil e a prisão do jogador argentino que fez ofensas racistas contra o jogador Grafite, do São Paulo. A melhor forma de trabalhar idéias e formulá-las é colocando-as em confrontação e em debate, que continua aberto.


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Além dos males modernos, oprime a nós uma série de males herdados, originários de modos de produção caducos, com seu séqüito de relações políticas e sociais contrárias ao espírito do tempo. Somos atormentados pelos vivos e, também, pelos mortos. Le mort saisit le vif. [O morto tolhe o vivo]
Karl Marx, em O Capital



A diferença entre racismo e outras formas de preconceito é que a sociedade brasileira é estruturada pelo racismo (não só por ele, que é um dos fatores determinantes para a nossa constituição social). Desde a escravidão, os negros estão na base da pirâmide social e, os brancos, na parte superior. A escravidão acabou em 1888, com a Lei Áurea, mas pouca coisa mudou na estrutura racial.

Os negros foram impedidos de terem propriedade, por meio da Lei de Terras (decretada já em 1850), acesso a escola, alimentação suficiente, habitação decente, entre outras coisas, e ficaram limitados a atividades menos qualificadas, ficando como serviçais dos brancos.

No processo histórico, tal mecanismo de exclusão foi diluído - há negros com boas condições de vida, pardos pobres e brancos miseráveis etc. -, no entanto, a estrutura social racista é a mesma. Além dela, claro, tem a questão de classe, que não pode ser ignorada. Por isso, enquanto os brancos são excluídos por diferenças de classe, os negros são marginalizados por uma questão de classe e raça.

Tratar da questão de raça hoje não é, necessariamente, colocar brancos e negros em conflito. O que precisamos é que a sociedade brasileira e mundial como um todo (povos brancos, pretos, pardos, orientais e indígenas e também as nações colonizadoras, colonizadas, exportadoras de escravos) subverta a lógica da exclusão do negro e formule políticas públicas que acabem com o processo histórico que se perpetua até hoje.

O negro faz seu papel quando se identifica com os escravos, pois lá estão as raízes da atual exclusão, além de ser um elemento de coesão dos negros para tentarem a própria emancipação. Por outro lado, convém ao branco deixar isso de lado, afinal de contas, não é nenhum orgulho. Mesmo assim, a sociedade brasileira precisa, em primeiro lugar, assumir politicamente que o país apresenta uma estrutura racista. Só a partir disso poderemos mudar tal situação.

Não se pode trabalhar com a idéia de que os brancos são culpados pela situação dos negros. Muito menos se deve alimentar qualquer sentimento de vingança. Isso é uma questão política, e tem de ser tratada politicamente, com outras terminologias e regras. Tratar dessa maneira tumultua, fragmenta e não resolve.

Sendo assim, é preciso colocar alguns pontos: Em primeiro lugar, precisamos de um diagnóstico da situação: a sociedade brasileira é estruturada pelo racismo; segundo, a sociedade e o Estado precisam admitir o processo histórico que exclui o negro; terceiro, é preciso construir também políticas públicas concretas, que vão requerer um sacrifício da sociedade como um todo, para acabar com o ciclo racista; para finalizar, os negros precisam se organizar e pressionar por mudanças, porque ninguém vai fazer nada por eles (Como diz o preto até os ossos Mano Brown: "Quem gosta de nós, somos nós mesmos").

Tem razão aquele refuta a idéia de que "todo branco é racista e todo negro sofre preconceito, todo branco é culpado pela situação dos negros". Como disse acima, falar em culpa é besteira e foge da discussão política. No entanto, precisamos ter em mente que brancos, negros, índios, descendentes de orientais fazem parte de uma sociedade estruturada no racismo contra os negros. Dessa forma, a sociedade como um todo precisa ter consciência disso para superar tal lógica.

Alguns brancos dizem o seguinte: Eu, por ser branco, devo me identificar com aqueles que escravizaram e batiam nos negros? Para mim, devemos sim, porque os brancos (escravistas ou não) formaram um bloco social (como os negros, descendentes de escravos ou não, também, mas do outro lado) que sustenta a estrutura racista da sociedade, que concentrou o capital nos brancos e a exploração do trabalho e discriminação nos negros. Claro que a sociedade de classes exclui também o branco, mas aí a conversa é outra.

Não é possível pensar em uma solução para o problema do racismo estrutural brasileiro se não analisarmos o processo histórico da sua formação. Não dá para ignorar o passado, que significaria colocar em segundo plano os motivos. Se alguém acredita que temos que discutir a solução e deixar de lado o que aconteceu, podemos dizer que Karl Marx foi um pensador inepto (concordando ou não com ele) e O Capital um livro insignificante.

Prender alguém por crime de racismo, como prevê a lei brasileira, tem conseqüências importantes na luta anti-racista. Tal atitude pode não acabar com o racismo, mas coloca no plano simbólico (lugar onde o racismo é muito forte) a noção de que ser racista é crime, que os negros precisam ser respeitados e tiveram força de organização política suficiente para que isso fosse regulamentado. É a legislação nacional admitindo o caráter racista da nossa sociedade e criando um instrumento para contê-lo.

As cotas em universidade realmente são polêmicas, mas eu sou a favor. É uma forma de o Estado assumir a estrutura racista da sociedade e tentar intervir para modificá-la. Além disso, no plano simbólico é importante termos médicos, jornalistas, engenheiros, cientistas, professores etc. pretos. É uma forma dos outros se espelharem e saberem que é possível.
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Fora que a convivência entre brancos e pretos, no mesmo nível (como alunos da universidade, por exemplo) vai fazer a sociedade avançar e, naturalmente, dissolver o sentimento racista. Mesmo com as cotas, é preciso ter claro que é preciso revolucionar o sistema falido da educação, uma vez que um povo que não tem acesso à educação de qualidade não tem consciência e força para a sua emancipação.

Igor Felippe